Eu não devia nem ter começado. Eu senti que era o momento onde eu não devia estar e me envolvi com o que eu não devia me envolver. Não foram drogas, álcool, prostituição ou apostas. Eu só não senti segurança. Eu devia ter corrido pra longe de você e ter ficado quieta, quentinha e segura – como se não tivesse te visto. Eu devia ter te defendido de mim mesma e de toda a bagunça que me acompanha.

A culpa é minha pela bagunça.

Mas eu fiquei. Achei que era hora de eu merecer alguma coisa boa. Eu fico contente por não ter fugido, não consigo me sentir mal por algo bom pra mim. Mas desculpa por ter batido teu carro. Por ter quebrado tua caneca de cerveja predileta. Por não assistir aos jogos. Por não cozinhar. Por falhar. Mas acima de tudo, desculpa por sempre ter me defendido de você.

Eu devia ter corrido para longe de você

A culpa nem de longe é sua. É minha mesmo. Eu nasci e um querubim me falou que eu ia me foder muito na vida, desde pequena. Ele só esqueceu de me falar que ia me mandar você depois, pra colher todos os cacos e me cuidar. Eu não tinha como saber ok? Então fiz o que costumo fazer sempre, levantei a guarda e segui sozinha.

Foi culpa daqueles que eram pra me proteger e não protegeram. Foi culpa daqueles que me deixaram sozinha em um quarto escuro. Foi culpa daqueles que tentaram me fazer acreditar em extraterrestres. Foi culpa daqueles que não me defenderam. Foi culpa daqueles que falharam. Foi culpa daqueles que me mostraram que eu tô pela minha própria conta. Foi culpa daqueles que me abandonaram. Mas sua culpa? Nunca foi.

Fui eu e minha terrível mania de tentar ser perfeita pra ver se alguém lá de cima alivia um pouco o peso dos meus ombros. Fui eu e todos os meus medos e pesadelos. Fui eu e todas as memórias que eu não deveria ter – nem enquanto eu durmo. Fui eu e toda a minha impotência. Fui eu que desacreditei nas pessoas e na justiça. Fui eu que desacreditei que coisas boas ainda poderiam me acontecer.

Por isso eu devia ter corrido pra longe de você. Por isso eu devia ter deixado a bagunça só para mim. Por isso eu devia ter te protegido de mim. Vai ver eu ainda tento fazer isso. É que eu ainda carrego um medo danado comigo. Mas enquanto você continuar lutando bem contra todos os muros que coloco à minha volta, eu vou sobreviver. Eu carrego cicatrizes terríveis e volta e meia desconfio que não tá nada cicatrizado – talvez nunca cicatrizem. Sinto a ferida aberta e dói. Dói como há tempos, dói como sempre, dói como nunca.

A culpa é minha por doer.

Então, depois de tanta coisa pesada e cruel, não peço desculpas por ter você ao meu lado. Peço desculpas por fazer você carregar o meu passado sem possibilidade de compreensão e sem direito à explicações. Peço desculpas por não ter te dado nenhuma chance de se defender de mim. É que eu tenho essa mania de intensidade – vai ver pelo tanto em que eu já vivi.

A culpa é minha por doer. A culpa é sua por amar.