Desde pequena eu precisei acreditar que existe céu e inferno. E não foi porque pedi pra minha mãe me levar na catequese, quando toda a minha família era espírita. Ou porque o padre falava que se eu não fosse uma boa cristã eu ia arder no inferno. Muito menos porque eu via as novelas falarem sobre isso – até porque quando eu era criança eu só podia assistir Chiquititas. Não, não foi nada disso. Eu tinha em mim a necessidade de acreditar em algo maior.

Conforme eu crescia ficava cada vez mais difícil continuar acreditando naquilo que sustentou minha alma por tanto tempo. Então eu evitei pensar sobre. Continuei declarando que acreditava, sem nunca parar para refletir se isso ainda era verdade. Ou talvez se essa crença continuava sendo suficiente para mim. Caso eu fosse questionada, machucava um pouquinho continuar ignorando, mas isso foi o que eu sempre soube fazer. Aprendi desde cedo a ignorar a dor.

Eu não fui daquelas adolescentes revoltadas que declarou guerra ao mundo depois de estudar a Idade Média na escola. Não, essa não sou eu. Fiquei sempre na minha. Não debatia religião, dízimo e política. Muito menos sobre como é possível as pessoas serem alienadas. Aprendi desde cedo a guardar pra mim o que penso sobre tudo isso, para que a recíproca fosse verdadeira.

O que nada mais é do que pura hipocrisia. Eu carregava comigo desde muito cedo essa angústia que me mostrava que nada acontecia com as pessoas ruins. E muita coisa ruim acontecia com as pessoas boas. Por muito tempo tudo ficou sem sentido e meio que suspenso no ar. Por isso eu sempre precisei acreditar em mocinhos e vilões, Super-Homem e Lex Luthor, Jessica Jones e Kilgrave, Batman e Coringa…

Fonte: We Heart It

Acontece que por mais que eu me enganasse, tragédias e tragédias passavam diante dos meus olhos tornando mais difícil a missão de não questionar sobre o bem versus o mal. Com pouca idade eu já sabia que a balança não era positiva e muito menos justa. E foi assim que ainda criança deixei minha alma machucada acreditando que de alguma forma o bem ia vencer no final. Desde cedo me iludi e cresci esperando para ver isso acontecer. Então aconteceu que eu acabei crescendo como era esperado, mas não vi nada.

É claro que percebo o quão tola eu fui. Justiça foi algo que desacreditei por muito tempo. Ou melhor, ainda não acredito. O mundo é como é e as pessoas são como são. Seco assim. Preto no branco. E aquele papo de que tudo acontece por um motivo e o frio conforme o cobertor, não é forte o suficiente.  Ou pelo menos não é mais forte do que todas as dores do mundo.

Então depois de muito tempo eu comecei a perceber que mesmo fingindo não ver essa ferida, ela ainda incomodava. Quer dizer, a crença de um ser humano é o que o rege, certo? Então comecei a questionar os males do mundo e me assustei com o que vi. Por que tanta dor e sofrimento? Por que alguns passam fome e outros não? Por que a humanidade chegou ao ponto de ser tão egoísta e preferir se destruir a ajudar o próximo? E a pergunta que mais me incomoda: existe espaço suficiente no inferno para todos os seres merecedores?

É claro que não cheguei a nenhuma conclusão. Mas talvez todo esse questionamento tenha me feito focar onde eu realmente devo. Não faz mais diferença acreditar nesse tal de céu e inferno. Realmente isso não é mais suficiente pra mim. E talvez eu esteja em uma fase da minha vida que não seja mais questão de sobrevivência acreditar nisso. Mas o mais importante de tudo é focar nas pessoas. Não importa quem vai pro céu ou pro inferno. Precisamos aprender a discernir entre pessoas boas e ruins, nos certificarmos de que escolhemos o time certo e deixar a vida falar por si só. Até porque não existe mais nada que possamos fazer.