É engraçado isso de seguir em frente. Segue em frente, eles dizem. Deixa isso pra trás, me falaram. Como alguém como eu, viciada em guardar mágoas, segue em frente? Passei tanto tempo tentando descobrir como parar de olhar pra trás, que nem notei quando realmente consegui. Um dia eu acordei e estava leve, não tinha mais bagagem ou, pelo menos, nenhuma bagagem desnecessária.

Por anos eu coloquei todas as minhas dores e traumas em uma caixa. Um passado inteiro guardado bem longe de mim. Eu não queria superar, somente esquecer. E por muito tempo deixei essa caixa intacta, como se algo terrível fosse acontecer se eu ousasse abrir a minha própria caixa de sentimentos. Então fingi que não sentia nada. Empurrei a sujeira pra debaixo do tapete e, bem plena, passei por cima.

Que saco isso de seguir em frente. Não dá pra fingir que nada aconteceu pra sempre. E lá no fundo eu sabia que eu não estava plena coisa nenhuma. Então tive que abrir essa maldita caixa que carregava anos de traumas e desvios dos quais eu não queria lidar. Peguei essa raiva que dá quando deixo tudo acumular e, de repente, tenho que resolver no último minuto e comecei a lavar a roupa suja comigo mesma. 

Algumas mágoas me fizeram rir, e nem deveriam mais estar ali. Outras me mostraram o quanto eu vivi e aprendi, mesmo que eu tenha me machucado no caminho. As mais difíceis de lidar, as mágoas maiores, me fizeram querer colocar tudo de volta na caixa e nunca mais mexer. Também pensei em ir pra minha cama e ficar em posição fetal, mas desisti porque isso não resolve nada. Não importa aonde eu vá, tudo o que sinto vem comigo.

É engraçado isso de seguir em frente. Não consigo encaixar nenhum outro adjetivo que resume um riso nervoso quando tento falar para mim mesma que está tudo bem. Tive que me esforçar muito pra parar de engrandecer o passado, de remoer o que foi feito e não dá pra desfazer, de passar mentalmente em câmera lenta a flecha atirada que jamais vai voltar. Não estava tudo bem, eu só deixei pra resolver depois.

Mesmo que tenha sido desconfortável tratar desse meu vício em guardar mágoas, eu estava tão de saco cheio de continuar acordando todos os dias pra esquecer, pra seguir em frente, que resolvi simplificar. Parei com o drama, outro vício meu, e resolvi fazer as pazes comigo mesma, com o caminho que me trouxe até aqui e todas as batalhas que lutei – ganhando ou não.

Que saco isso de seguir em frente. É claro que não resolvi tudo e nem espero resolver. Parei de esperar por uma vida pronta aos vinte e poucos anos. Mas ando, cada dia mais, esvaziando a minha caixa de mágoas, de negatividade, de tudo o que me puxa pra baixo. Tudo isso me ensinou que é preciso consciência para escolher melhor por mim mesma e que absolutamente nada do que passou define o que está por vir.