Mãe, eu sou bi. Eu sei que você ia preferir que eu te falasse que eu passei no vestibular, que arrumei o quarto ou desci o lixo. Mas a verdade é que o único que tenho pra te contar é que eu sou bi. Não fique chocada. Fique orgulhosa da sua filha. Sou dessas que não se prende ao gênero, apenas a seres humanos incríveis. E sinceramente, se a pessoa for incrível e cheia de conteúdo, não me importa se é homem ou mulher.

Não que eu desconsidere a beleza da anatomia feminina ou da força masculina. Não que eu desconsidere um toque delicado e uma visão do mundo parecida com a minha. Só gostaria muito de poder desconsiderar todos os estereótipos a respeito da sexualidade. Como que faz? Não deveríamos todos sermos felizes independente de quem somos ou do que gostamos? Não foi a senhora que me ensinou que meninos podem brincar de boneca também? E que tudo bem se eu usar roupa azul? Então o que que tem se eu me relacionar com mulheres?

A senhora sempre pregou a igualdade – mesmo que esse movimento não seja respeitado e esteja meio obsoleto. Então eu realmente preciso de um bom motivo para evitar relacionamentos com cabeças condizentes com a minha – um par de seios não é motivo suficiente. E muito menos a opinião alheia.

Mãe eu sou bi

Eu não sei o que é para uma mãe saber disso. Espero mesmo que quando eu for mãe não exista mais essa hipocrisia social. Aí minha filha vai falar: “mãe fiquei com uma menina na festa, mas ela não responde minhas mensagens.” E eu vou rir, porque independente de sermos homens ou mulheres, os joguinhos de relacionamento são sempre os mesmos.

E só pra você saber mãe, eu serei sempre a mesma. Independente de quem tá na cama comigo. Não me considero menos mulher, muito pelo contrário. Só consigo me considerar quando eu estou sendo verdadeira. Então mãe, eu sou bi sim. E não era pra verdade doer. Não era pra verdade me colocar de castigo volta e meia. Não era pra verdade ser escondida no almoço do domingo e muito menos nas ruas. Não era para a verdade fazer a vizinha falar de mim para o porteiro. Não era para a verdade fazer as mães das minhas amigas me proibirem de sair com elas. E acima de tudo, não era para a verdade precisar de explicação.

Eu realmente acreditei que a verdade fosse o melhor caminho para a liberdade, como a senhora me ensinou. Mas as pessoas me olham estranho e comentam sobre quem segura minha mão nas ruas. A verdade me transformou em um alvo que eu nunca quis ser. E quem acerta as flechas em mim são pessoas reprimidas e atrasadas. Eu sinto pena por eles. Mas não posso julgar, não sei o que a mãe deles os ensinou.

Eu sei que a senhora me ensinou a ser feliz dentre todas as adversidades. Mesmo aquelas em que nada se possa fazer. Então eu estou sendo. Sou feliz e não julgo os outros. Sou feliz e não me apego em padrões. Sou feliz e não acho que são as leis dos homens que devem escolher por mim. Mas mãe, como faz pra ensinar aqueles que me julgam e perseguem? E como faz para ensinar aqueles que invejam o meu jeito bem resolvido de ser? Mãe, tá faltando educação no mundo.