Era um dia de sol, sabe por quê? Dias ensolarados dão disposição. E não que para eu deixar o passado de canto eu precisasse de disposição, eu só precisava saber como. E eu tinha tomado café. Pasme porque eu quase nunca tomo. Não fiquei falando igual uma louca que acabou de cheirar cocaína, eu aprendi a pedir descafeinado. E eu sei que já tive tantas crises e perguntei tanto sobre como eu faria para parar de viver de passado e me decepcionei tanto quando ninguém sabia me responder e me protegi tanto de todo mundo por me sentir exposta, que rolou um desânimo. Mas eu já te falei que o dia estava lindo?
Volta e sempre eu fico desanimada, porque sei que não vou chegar a lugar nenhum. São anos e anos com o mesmo pesadelo. São anos e anos presa dentro de um carro. São anos e anos pensando e remoendo o que fiz e o que deixei de fazer. São anos e anos me iludindo com o que aconteceu. Anos e anos vendo o lado bom e o lado ruim e lembrando desastrosamente que o lado bom é o lado ruim. Anos e mais anos com vãs tentativas de falar para mim mesma que está tudo bem, que não dói, que já passou.
Aí você me olhou com aqueles olhos de quem realmente acredita em mim. Eu me senti mal, sabia? Quando você me olha assim eu lembro que eu não tenho a força que você pensa que eu tenho. Que saco. Não me cobra, não. Para de me pressionar com esses olhos apaixonados. Eu não estou com dificuldades para esquecer um ex. Não estou tentando esquecer um vexame em uma festa. E muito menos alguma vez que eu cai em público. Eu estou tentando esquecer coisas que realmente machucam e eu realmente sinto. Talvez eu sinta muito, eu já te disse isso? Por tudo.
E não importa o que eu faça, eu sinto que sempre estarei te decepcionando. Porque a minha sujeira te dói, eu sei. E não é motivo de orgulho. Não é uma trajetória para contar para os filhos – não sei nem se existe como contar. Não é um tema para fazer uma redação quando a professora pedir ou compartilhar na mesa do bar. Acontece que eu já escrevi tanto, não é? Escrevo, escrevo e não chego a lugar nenhum. Por que eu não paro de escrever então? Eu devia me concentrar só na mesa do bar.
Será que se eu falar ajuda? Como faz para falar? Quer dizer, falar é fácil, mas realmente falar é difícil. Como faz para falar sem sentir a garganta queimar? Como faz para parar de doer? Como faz para não ser sempre a mesmíssima coisa? Como faz para falar e não sentir um peso terrível de culpa? Falar parece tornar tudo verdade. Um pensamento, é só um pensamento. Mas quando você fala em voz alta parece verdade, não é? E a verdade anda me machucando, como sempre.
O dia que eu cansei de viver de passado foi hoje. E ontem também. Inclusive antes de ontem quando a gente foi naquela baladinha. Eu sei que você me viu rindo, tirando selfies e dançando. Mas sabe, não importa o que eu esteja fazendo eu não consigo esquecer. Eu me sinto presa – volta e meia até me sinto uma inocente no corredor da morte. E aí, faz o que? Eu canso de viver de passado todos os dias, só não sei como fazer para parar de viver o que não merece ser vivido.