Eu fiz uma tatuagem há um tempo, tipo um ano. Uma frase Beatles clichê e três pássaros. E volta e meia minha mãe me fala: “Filha, tatuagem é pra sempre. Não vai sair mais”. E ela pode não ter percebido, mas é exatamente por isso que eu fiz. Eu precisava de um contrato vitalício comigo mesma. Então eu me marquei. E essa marca está ali pra me lembrar que sou mais do que penso ser. Pra me mostrar que é possível e que não importa o que mais aconteça na minha vida, eu não vou precisar enfrentar nada sozinha. E é óbvio, pra dar um tapa na minha cara sempre que eu me olhar no espelho e não ver o que realmente está lá para ser visto.

Eu sei que é meio contraditório eu ter uma tatuagem com pássaros, se eu levar em consideração o medo que eu tenho deles – mesmo que seja um medo recente. Quer dizer, eu acho os pássaros seres super traiçoeiros. Eles voam em direção à tua testa de propósito. Eles podem ser cruéis ou cantarem lindamente. E Prometeu, o deus grego, que o diga, mas eles comem fígados por aí afora, só para castigar as pessoas que se doam demais. Tudo isso só pra lembrar o quanto nós somos frágeis. Talvez porque nós não voamos, talvez porque nós não somos leves o suficiente. Ou talvez porque nós nos deixamos pesar demais. E eu queria muito poder voar.

Minha tatuagem

Na hora H da tatuagem… com a fofa da Dani Tattoo Mãos de Fada (contato via e-mail: fadadarte@hotmail.com).

Mas o que eu acho mais traiçoeiro ainda, é fingir que não tememos, que está tudo bem, que o nosso fígado não está sendo devorado. Então eu guardo os meus pássaros por aqui, junto com os meus medos. Porque tê-los pertinho de mim acaba sendo a minha prova de realidade e do quanto o mundo pode ser cruel se eu baixar a guarda. Eu deixo eles aqui, perto o suficiente pra sentir a batida do meu coração, e pra manter o bom e o ruim em equilíbrio constante. O medo e a coragem em eterna luta – sem desistir jamais.

Não espero que minha coragem vença o meu medo e nem o contrário. Não procuro por um vencedor pra definir quem eu sou – valente ou covarde. Preciso sentir minhas aflições e a minha bravura se dilacerando e lutando pelo o que eu acredito. É assim que a minha sanidade mental funciona. Preciso sentir que depende de mim, e que seu eu me desequilibrar, posso cair para qualquer um dos lados. E eu sei que volta e meia a gente sangra e se machuca pra sentir o gostinho que a vida tem. E é por isso que eu acredito que manter a nossa base em equilíbrio constante evita que as dores se transformem em rotina.

Volta e meia eu me olho no espelho e lembro que os pássaros são livres – de um jeito que eu jamais conseguirei ser. E por mais nômade que eu tenha me tornado agora, tem muita coisa que eu não deixo para trás. Talvez eu faça dupla com o Prometeu, o deus grego, amarrado à uma pedra e entregando meu fígado para um pássaro todos os dias. Só pode ser isso, porque dói muito. E exatamente como ele, eu dei mais do que recebi.

Tanta coisa que eu carrego comigo sem nunca ter tatuado em mim. Então, quando fiz a minha tatuagem foi porque eu queria tirar força de algum lugar. E, com certeza, deixar registrada a minha luta diária. Talvez a tinta no meu corpo precise de mais tempo para agir, vai saber. Ou talvez esse lance de tatuagem é totalmente psicológico – como tantas coisas em minha vida.

A questão é que eu precisei de pássaros encravados na minha pele para sentir uma liberdade ilusória. Eu precisei tatuar o meu medo para me sentir forte o suficiente para enfrentá-lo. Eu precisei de uma distração para poder encarar o espelho. Eu precisei ser arrogante o suficiente para comparar a minha dor com o castigo do deus grego Prometeu. E acima de tudo, eu precisei assumir o que é quase insuportável de admitir olhando para mim mesma. E tudo isso dói mais do que fazer uma tatuagem.