Tô aqui sozinha com a minha mania de falar pras paredes. E contei pros muros à minha volta que ando esperando você voltar ou se explicar pra mim. Guardo escondida uma expectativa que tudo se justifique e que faça sentido. Ninguém sabe, só eu e as paredes mesmo. É que tanto tempo no ramo da construção a gente aprende que os tijolos são bons amigos e cimento é uma boa emenda pras feridas difíceis de cicatrizar.

Ainda lembro daquela estrada de terra. Cada vez que eu chorava mais assustadora ela ficava. Já me machuquei tanto por lá. Já ralei joelhos e cotovelos, mas a dor maior foi quando você me deixou sozinha. Nem a casa sobrou. Tijolo é ruim por causa disso, eles são frágeis também.

Você lembra de ter me dado a estrela que mais brilha no céu? Quando eu olho pra ela, me pergunto se você também consegue ver. Você tá no escuro ou no claro? Sorrindo ou chorando? Feliz?

Desconfio de que o final seja esse. Você foi em busca de uma felicidade que eu não pude te dar. Eu vacilei contigo e não percebi. Entre os jogos no computador e a descoberta da vírgula no teclado você se foi. Entre a fita métrica e as maquetes. Entre os projetos e toda aquela meditação zen de ser. Talvez a corda que nos unia arrebentou da mesma forma que as cordas do teu violão. Talvez a música não fosse mais suficiente. Mas saiba que ainda existia massa pra rebocar as cicatrizes.

Eu acho que entendo, você cansou de todas as feridas e do peso nos teus ombros estava insuportavelmente pesado pra carregar. Quando o limite te atingiu eu estava perto o suficiente de você? Você pensou em mim? Em nós?

Eu perdi a credibilidade no mundo quando você não me quis mais. E, por causa de você, não existe massa corrida o suficiente que esconda minhas dores e cicatrizes. Desacreditei de todas as paredes que já vi construída. Parei de ver navio e proa. Deixei de ser tua defesa e teu orgulho. Obriguei-me a seguir em frente.

As paredes continuam sendo testemunha que não existe um dia desde que você se foi em que eu não tenha cantado a nossa música. Não existe um momento específico, mas te procuro por toda a minha trajetória. Onde, dentre um caminho tão longo, eu falhei com você e te empurrei pra longe? Acho que nunca vou conseguir responder essa pergunta – e não existe cálculo no mundo que me ajude a encontrar a solução.

Eu pensei e me enganei que eu sempre estaria lá por você e vice-versa. Talvez eu não consiga admitir que você nunca esteve e nem estará lá por ninguém. O chão sobre os teus pés te seguraram tempo suficiente pra te tornar um homem fraco ou você sempre foi assim?

Você nunca aprendeu a voar e de uma forma hipócrita me deixou isso como obrigação, como sobrevivência. Nem tijolo, nem cimento ou massa corrida. Abro mão de todas as memórias pra viver em paz.